AS BEM-AVENTURANÇAS: PRIVILÉGIOS E RESPONSABILIDADES PARA AQUELES QUE SÃO SAL E LUZ

13/05/2015 23:16

 

    No famoso sermão das beatitudes, logo depois do registro de Jesus falando sobre as bem-aventuranças, em grande parte das traduções bíblicas, temos o grupo de versículos que costuma ser separado por um título. Trata-se dos versos 13-16: “Os discípulos são o sal da terra e a luz do mundo”. Os títulos utilizados na Bíblia são de grande importância quando precisamos encontrar um texto, mas é importante que sempre façamos uma leitura “ignorando-os”, porque muitas vezes, ao interrompermos a leitura sempre que chegamos a um título, perdemos a linha de raciocínio em que o texto se conduzia, ou seja, seu contexto. Por isso, por meio deste pequeno texto, convido a uma reflexão sobre o texto presente nesses cinco versículos de uma maneira mais ligada ao Sermão das Beatitudes.

    A última das nove vezes em que a expressão “bem-aventurados” aparece no texto está no verso 11: “Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa”. O verso 12 é um complemento. Revela por que a consequência do enunciado anterior (bem-aventurança por ser perseguido por amor a Cristo) deve ser “motivo de alegria”, ao mesmo tempo em que também expõe a razão para tal: “Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós.” O que temos então aqui é importante para entendermos a ligação entre o fato de ser bem-aventurado e ser sal da terra e luz do mundo.

Se fizermos uma leitura cuidadosa constataremos essa ligação. Parafrasear um texto é uma das formas de leituras que auxiliam a compreensão. Uma possível forma de parafrasear esse texto seria:

 “Bem-aventurados são vocês quando são perseguidos injustamente, simplesmente por serem meus seguidores. Fiquem muito alegres, e exultem, porque é grande a recompensa de vocês nos céus. Pois desse mesmo jeito fizeram com pessoas antes de vós, que também serviam a Deus. [É que] vocês são o sal da terra; e se o sal perder o gosto, como se poderá salgar? Não vai prestar mais para nada, a não ser para ser pisado pelos homens. Vocês são a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade que está construída sobre um monte; nem se acende uma lâmpada para colocá-la debaixo de uma cesta”

    No texto parafraseado, entre colchetes, há a expressão que a pus para representar aquela que tende a perder-se quando nos prendemos ao título e esquecemos que todo o texto constitui uma mesma sequência. Essa expressão:“é que”,  de fato, é o que se entende quando levamos em conta o que Jesus quer dizer àquelas pessoas que o ouvia tão atentamente.

Não é difícil imaginar que entre aqueles que estavam ali, ouvindo a Jesus, muitos pensassem que ele iria externar um discurso revolucionário; algo do tipo: “meus amigos, precisamos lutar”! “Precisamos nos unir contra esse reino opressor”! “E lutarmos contra os romanos”! De fato, entre os judeus daquela época havia um grupo chamado Zelotes; uma espécie de milícia pronta a atuar a qualquer momento em um confronto com as forças romanas. No entanto eles ouviram o homem que se apresentava como o Messias falar de bem-aventuranças a pobres, aos que choram, aos mansos. Isso, por certo, parecia chocar os ouvidos de muitos!

Mas o sermão não fica apenas em bem-aventuranças aos pobres ou a quem chora, Jesus vai mais além, e afirma que os que são perseguidos são bem-aventurados e devem exultar de alegria porque, assim como os profetas do passado, têm um galardão nos céus.

Entretanto, quando fala em sofrer perseguições, há uma coisa que não pode ser esquecida: essa perseguição deve ser por causa do nome de Jesus. Ela inclui injurias, mas estas, têm que serem frutos de mentiras. “... quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa.” De fato, Ninguém sofre injustiça quando as injúrias que sofre são acusações verdadeiras. Se o que dizem para nos difamar é a verdade dos fatos, não resta mais nenhuma defesa!

    Lembrando que o verso 12 é um complemento do que se diz no verso 11, Jesus prossegue: “Vós sois o sal da terra; e se o sal for insípido, com que se há de salgar? Para nada mais presta senão para se lançar fora, e ser pisado pelos homens.” (vers.13). Não podemos ler esse versículo e não conectá-lo ao anterior. Jesus está dizendo aos seus discípulos (e por que não a nós?) que se eles, de fato, têm “o gosto e a capacidade de temperar”, sofrerão perseguições injustas, e injúrias fundamentadas em mentiras. Em outras palavras, dizer: vós sois o sal da terra, equivale dizer: “não permitam que as injúrias, as perseguições e o mal que dizem contra vós, sejam, de fato, afirmações de verdade; a menos que vocês tenham perdido o sabor”! Quando analisamos o teor do versículo 13 à luz do enunciado nos versículos 11 e 12, entendemos o porquê de Jesus ter usado as metáforas do sal e dá luz.

Mesmo em nossos dias ninguém ousaria minimizar o valor do sal. Ele não apenas tempera, mas conserva! Um alimento sem sal, por mais ingredientes que tenha, não satisfará a maioria das pessoas que o degustem. E ainda hoje, com a existência da geladeira e outros métodos de conservação, o sal é largamente usado para conservar. Sem o sal, haveria podridão! Agora, basta lembrarmos que estamos falando de um texto escrito há dois mil anos. O quanto era importante o sal!

    Da mesma forma, a importância da luz não pode ser negada. Como disse Jesus: ““... quem anda em trevas não sabe para onde vai” (Jo 12.35). Mas nota-se um outro elemento posto com valor metafórico no discurso do Mestre da Galiléia – A cidade edificada sobre um monte. Geralmente estamos acostumados a títulos como: Os discípulos são o sal da terra e a luz do mundo, mas essa cidade sobre um monte? Bom, é aí que precisamos refletir um pouco mais para entendermos melhor o que o Senhor nos quer dizer.

Como parte desse entendimento, proponho uma observação sobre o estilo assumido pela retórica do discurso do Senhor naquele momento. E aí, penso que será interessante dividirmos em três pontos:

1)    Uma pergunta retórica ( vers.13);

2)    Duas afirmações incontestáveis (vers. 14 e 15)! e

3)    Uma conclusão inevitável (vers. 16).

UMA PERGUNTA RETÓRICA

    O versículo 13, após a afirmação de que os discípulos são o sal da terra, apresenta uma pergunta cuja resposta Jesus espera que seja dada de modo introspectivo; ou seja, cada um responde a si mesmo: “ se o sal se tornar insípido, com que se há de salgar?”

    Ao imaginarmos respondendo tal pergunta, torna-se impossível não notar a seriedade que é ser um cristão! Se somos o que dá gosto e conserva esse mundo pecaminoso, o que acontecerá se perdermos esse potencial? Para que serviremos? Se Deus nos deu esse grande privilégio, por que não o levarmos a sério? E agora uma pergunta que nos deve fazer pensar mais um pouco: É mesmo possível que o sal perca seu sabor? Com certeza, a resposta esperada por essa pergunta seria a mesma dada por Jesus: o sal para nada mais presta! E não haveria mais nada para usar no tempero e conservação deste mundo pecaminoso!

    A pergunta feita por Cristo produziu nas mentes dos discípulos o mesmo que em nossas mentes: temos um privilégio com “recheio e cobertura” de muita responsabilidade! Que soframos perseguições, mas que seja por amor a Cristo! Que nos caluniem e nos injuriem, mas que seja com mentiras!

"Mas também, se padecerdes por amor da justiça, sois bem-aventurados. E não temais com medo deles, nem vos turbeis;...  Tendo uma boa consciência, para que, naquilo em que falam mal de vós, como de malfeitores, fiquem confundidos os que blasfemam do vosso bom porte em Cristo.  Porque melhor é que padeçais fazendo bem (se a vontade de Deus assim o quer), do que fazendo mal” (I Pedro 3 : 14,16,17).

            É uma tarefa árdua, mas não podemos perder o sabor; temos que ser sal, pois sem sal...

DUAS AFIRMAÇÕES INCONTESTÁVEIS

    Nos versículos 14 e 15, após nos informar que somos a luz do mundo, diferente da maneira como conduziu o enunciado anterior, Jesus não faz uma pergunta, mas duas afirmações contundentes e incontestáveis:

1)    Não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte.

2)    Nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire.

    Analisemos uma a uma essas afirmações. Elas têm algumas distinções. A primeira, não recebeu complemento algum. Não nada mais a ser dito. Era uma realidade bem patente para a cultura e o cenário geográfico daquele lugar; uma cidade edificada sobre um monte, à noite, era vista dos lugares mais distantes. A segunda afirmação, no entanto, tem um complemento. Após afirmar que não se acende uma candeia e se coloca debaixo de uma medida, Jesus – o orador por excelência – acrescenta que ela é posta no velador, e dá luz a todos os que estão na casa. E o que isso nos ensina?

    Bom, na primeira afirmação (a cidade edificada sobre o monte) o que podemos entender está dito claramente: essa cidade não pode se esconder porque está num lugar privilegiado. Todos veem sua luz, lá no alto. Ela não pode se esconder, porque tem luz e está em altitude. Você, eu, nós, se somos discípulos de Jesus, não podemos nos esconder!

    E quanto à segunda, é importante que se note a distinção entre poder e propósito. Uma coisa é admitirmos que não podemos nos esconder, outra diferente, é entendermos que o privilégio de ser luz não tem o propósito de estar escondida! Se ninguém acende uma candeia e a coloca debaixo de uma cesta, por que Deus o faria? Nós fomos chamados a ser luz para brilhar; para estar no velador e dá luz a todos que estão nessa casa-mundo! Não faz nenhum sentido acender uma luz com o intuito de alumiar, e escondê-la embaixo da cama; por que Deus assim faria? Portanto, se a primeira afirmação nos esclarece que não podemos nos esconder, a segunda, nos adverte que brilhar no lugar mais alto é o real propósito daquele que nos fez luz do mundo.

 

UMA CONCLUSÃO INEVITÁVEL

    Por fim, uma conclusão inevitável vem do fato de que o mundo precisa ver o resplendor dessa luz. Assim, há uma relação discípulo-luz-mundo que reflete de modo passivo e ativo. Isso pode ser visto em observar-se a sequência das palavras de Jesus em seu enunciado: “assim resplandeça vossa luz diante dos homens”, (modo ativo - nós precisamos brilhar) para que vejam (modo passivo – o mundo precisa ver) as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.

    No que concerne ao aspecto ativo, devemos lembrar que se não fizermos (mesmo sabendo que só conseguimos tal feito mediante graça) com que esse resplendor apareça perante o mundo, ele não glorificará a Deus. A conclusão inevitável aqui, e que não tolera abusos a graça, é o mesmo que acontece com o uso da metáfora do sal na pergunta retórica. Quando atentamos para o enunciado: “assim resplandeça a vossa luz”, não devemos esquecer que esse advérbio de modo atua vinculando a similaridade da evidência de uma cidade edificada sobre um monte e do potencial de uma candeia acesa no velador à luz do mundo que todo discípulo de Jesus deve ser.

    Ainda mais inevitável é a revelação de que o sal e a luz são metáforas para as boas obras que se espera de todo aquele que se diz um crente em Jesus; um cristão; um discípulo do Mestre. Quando se lê: ... para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus”(vers.16), fica claro que a luz de que Jesus está falando nada tem a ver com coisa mística que “ilumine” vidas com raios mágicos, ou que cada portador terá uma auréola sobre sua cabeça. São as boas ações na vida de um cristão que comprovam sua nova vida em Cristo! Por isso, João Batista, disse aos religiosos que foram ao seu batismo, que produzissem “frutos dignos de pessoas que provaram o arrependimento”(Mt. 3.8). E é aí que cai por terra aquela velha história de que “Deus está vendo nosso coração”. De fato, Deus vê o nosso coração, e é somente Ele quem o vê. No entanto, Jesus fala de coisas que “o mundo precisa ver em nós”; e essas coisas, assim como a luz, devem resplandecer; e o texto aqui em análise deixa claro que se trata de boas obras! Mesmo que saibamos que não somos salvos pelas obras não temos motivos para pensar que a nossa vida cristã é uma vida sem compromisso!

    Por isso, a palavra de Deus nos convida amorosamente a vivermos de acordo com o grande privilégio desse chamado para ser luz do mundo e sal da terra; não podemos nos esconder!

“Rogos-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados” (Ef 4.1)."Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas" (Efésios 2 : 10)."Vedes então que o homem é justificado pelas obras, e não somente pela fé"(Tiago 2. 24). "Tendo o vosso viver honesto entre os gentios; para que, naquilo em que falam mal de vós, como de malfeitores, glorifiquem a Deus no dia da visitação, pelas boas obras que em vós observem" (I Pedro 2 : 12). "Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai" (Filipenses 4.8).

    Os versículos acima reunidos são apenas uns poucos dentre as recomendações que não devem ser ignoradas nas Sagradas Escrituras. Somos salvos pela graça, mas nosso Salvador espera de nós os frutos; e, de fato, Ele nos capacita em tudo. "Tendo por certo isto mesmo, que aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo" (Filipenses 1.6). Entretanto, Ele conhece os corações sinceros que almejam esse aperfeiçoamento! Aquele que não se importa com suas ações podem estar demonstrando um sinal de que não é uma candeia; porque ninguém acende uma candeia e a coloca embaixo de um alqueire! Porque se o sal for insípido, para nada mais presta...

    Na esperança de que essa reflexão contribua para sua vida espiritual, e na certeza de que Cristo em breve voltará, saúdo a todos com a doce e gloriosa paz do Senhor.

   Fraternalmente,

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Ir. Genildo Alves de Lima