ISAÍAS 14: Profecia para o futuro... Revelação de um trágico passado...

04/03/2020 23:03

 

                                           

 

Sendo a Bíblia a palavra de Deus, não deveria haver dificuldades para se entender e aceitar sua capacidade maravilhosa e sobrenatural de comunicar o futuro, e isso, de maneira tão certa como se o fato já estivesse ocorrendo no presente! Isso não deveria nos surpreender, pois a própria Palavra de Deus garante-se por ser de Deus, e lança o desafio quando o próprio Deus, dono da palavra, diz: “...não há outro semelhante a mim, que anuncio o fim desde o princípio, e desde a antiguidade as coisas que ainda não sucederam (Isaías 46:9,10). Somente a Bíblia pode garantir-se assim! Principalmente no que concerne à profecia bíblica (quase 30 por cento de seu conteúdo). Nas palavras de Tim LaHaye, “a profecia é a história escrita antes de acontecer. É a maneira como Deus nos fala o que acontecerá no futuro. Ela envolve a predição de eventos específicos antes de seu acontecimento real” (LAHAYE 2005, p,7). Se a Bíblia revela o futuro, ela garante que não é palavra humana, e, com certeza, não tem dificuldade de trazer revelação do passado!

Infelizmente, já há algum tempo, escolas de interpretação influenciadas por ideias do humanismo secular vêm trazendo sugestões de interpretações para o texto bíblico que findam funcionando como agentes que tentam ofuscar o reflexo divino Palavra. Algumas dessas sugestões interpretativas até contribuem (e isso não se nega), mas a maioria exagera na adesão aos ditames do método histórico-crítico, eivado da chamada alta crítica e seus pressupostos carregados de hipóteses movidas pelo ateísmo. Eta Linnemann (2009 ) prefere chamar de Teologia histórico-critica, envolvendo assim tanto o método quanto escola teológica que o adere.

Nesta pertinência, têm-se o caso de Isaías 14 – o já bem conhecido entendimento de que se trata de uma profecia que revela a rebelião e queda de Satanás, ocorridos em algum momento da história do mundo criado. Lucas 10.18 registra Jesus dizendo que via “Satanás, como raio, cair do céu. Isaías. 14 parece falar sobre alguém que também foi derrubado do céu em algum momento. Mas teólogos, e exegetas de renome, garantem (ou tentam) que esse texto não pode estar se referindo a esse episódio. Isaías 14 seria apenas uma “canção de escárnio”, uma profecia em gênero poético, para o rei da Babilônia e/ou seu império, o que se cumpriria em um futuro próximo. Mas seria apenas isso? Inquirido sobre o tema, deixo abaixo minha contribuição.

De antemão, e deixando claro meu respeito pelos mais distintos pontos de vista, inicio dizendo que uma coisa é admitir que se trata de uma profecia, embalada em certa dose de poesia, mencionando o rei da Babilônia (quer seja a pessoa, quer seja o sujeito social em sua representatividade, ou mesmo, instituição), outra coisa seria não perceber uma “revelação profética” da rebelião e queda de Satanás em algum momento do mundo criado e um “apontar escatológico” para a queda de uma futura Babilônia (quer física ou representativa) e seu líder maior.

Isaías 14, ao meu ver (e das fontes com as quais comungo) tem, de fato, a primeira coisa acima exposta, e em seus elementos textuais não nega a outra. Ou seja, o profeta não fala apenas de um homem comum, mas de um rei tão orgulhoso, que personifica sua fonte inspiradora – o Adversário maior, Satanás - pai de todo orgulho.

Naturalmente, conheço alguns dos argumentos contrários e, “cientificamente”, digo, atendendo aos “moldes do academicismo”, eu até os entendo; entretanto, eles não me parecem convincentes.

Robert B. Chisholm, Jr, in ZUCK (2016), por exemplo, expõe os argumentos para eliminar o que ele trata como “tradição interpretativa popular”, ou seja, a tradicional interpretação da presença da revelação da queda de satanás. Tal tradição, acrescenta ele, “vê no linguajar de Isaías” a referida interpretação. Para ele, a explicação, tanto da “linguagem quanto da imagem” resolve-se nas “raízes da mitologia cananeia”.

Que havia forte mitologia naqueles dias, ninguém duvida, mas isso não explica muita coisa! Alguns poucos achados arqueológicos, poderia apenas sugerir como um viés “analógico” está envolvido na profecia; mas não parece ter potencial para negar o significado transcendental que aponta para a sobrenatural inspiração por trás desse dominador orgulhoso.

No que concerne ao argumento apresentado por Robert B. Chisholm, Jr, há sempre o risco destes “apegos a detalhes e fragmentos históricos de mitologias” estarem influenciados pelos sintomas da “teologia histórico-crítica” (Ver LINNEMANN 2009) e sua ação embriagante, que tem levado, paulatinamente, a um academicismo antropocêntrico tendencioso, que investe em minimizar o valor da Bíblia, procurando eliminar dela a presença do sobrenatural  e relegando-a a mero documentário da história religiosa do povo hebreu. Quando se vê os argumentos, em si, percebe-se que há muitas pontas soltas!

Para essa discussão, além de Isaías 14, tem-se Ezequiel 28; ambos apresentam linguagem semelhante. A chamada “canção de insulto” de Isaías 14, e a lamentação contra o rei de Tiro, em Ezequiel 28, trazem uma profecia em gênero poético, e se dirigem, por certo, a homens; a reis. No entanto, mesmo que haja a suposta presença mitológica influenciando (parcialmente) nas produções linguísticas dos profetas, há elementos no texto que vão além deste cenário.

Em Isaías 14, os versículos 13 a 15 apresentam as expressões “...no teu coração...’  ‘Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono’... e serei semelhante ao Altíssimo’ ... ‘levado serás ao inferno, ao mais profundo do abismo”.  Não obstante a linguagem poética e a (possível) referência às nomenclaturas que a mitologia dava aos reis[1], expressões como “no teu coração”, “subirei”, “serei semelhante ao altíssimo” tanto estão além de qualquer rei terreno, quanto estão de acordo Gen. 3.4,5, onde Satanás (ou seria uma simples serpente?) declara seu grande pecado – o orgulho. E veja-se ainda a insistência de que inferno (Sheol) deveria ser sempre traduzido como sepultura (veja Sal 9.17[?!]). Aqui, a “sepultura” minimizaria o caso, porque todos homens vão para lá. Mas se for inferno (punição eterna) o profeta vai mais além. É aí que parece-me digno de nota que “este rei” não é apenas levado à sepultura, mas ao inferno, “ao mais profundo do abismo”!

Para ser breve, mencionando a incongruência (mesmo em caos poéticos) das qualificações para meros seres humanos, veja-se Ez. 28: “o aferidor da medida” (v112); “os teus tambores e os teus pífaros; no dia em que foste criado foram preparados” (13); “Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado, até que se achou iniquidade em ti”. (v 15). Geralmente procuram solucionar tais inconsistências adjetivas atribuindo-as a linguagem poética e/ou à mitologia, ou ainda, como Eugene H. Merrill in Zuck (2016), relacionando ao Éden terreno e a estado inocente de Adão. Mas o único objeto que Adão e Eva ganharam de Deus foram “túnicas de peles”, quando pecaram e não “tambores e pífaros”! Portanto, é dito (mesmo no gênero poético) que a iniquidade se achou em alguém que fora perfeito, e esse alguém que ganhara pífaros e tambores e fora aferidor de medidas em algum momento, não foi Adão, nem um rei da pérsia. Há, uma força inspiradora sobrenatural por trás desse agente governamental, assim como em Gen. 3 havia alguém por trás da serpente que encucou em Eva a terrível soberba de se equiparar a Deus.

No que diz respeito ao argumento de que as raízes mitológicas e seus empréstimos à linguagem do profeta, referindo-se ao caso de Ezequiel 28, LaHaye e Hindson (2017) esclarecem:

Alguns estudiosos alegam que se trata simplesmente de imagem emprestada da mitologia pagã dos tempos de Ezequiel, e não se refere à queda de Satanás. No entanto, nada remotamente similar se descobriu entre algumas mitologia antiga do Oriente Médio (LAHAYE ; HINDSON p, 411).

Diante dessa declaração de teólogos dedicados ao tema da profecia bíblica, sinto-me da obrigação de perguntar: até que ponto devo submeter-me a uma hermenêutica influenciada (senão comprometida) por supostos achados históricos de mitologias antigas, e que busca minimizar o aspecto sobrenatural da profecia bíblica?

É interessante que, além de Isaías 14 e Ezequiel 28, tenhamos o episódio de Daniel 10. Este último difere no gênero – é narrativo e relata uma visão – mas, no geral, o texto fala de um príncipe do reino da pérsia impedindo um mensageiro. Se atendêssemos o mesmo princípio de que Daniel relatou a visão apenas dialogando com a linguagem mitológica de sua época, diríamos que era apenas um príncipe, de carne e osso. Mas aí teríamos um problema: como pode um mero príncipe parar um anjo por 21 dias? E ainda: só ser vencido por Miguel? Ninguém discorda que aqui, o príncipe do reino da pérsia é realmente Satanás! Embora revelado em mensagem dirigida a títulos humanos e regiões geográficas.

Para finalizar, reitero minha consideração e respeito pelas posições divergentes, mas vejo mais razão na capacidade sobrenatural da profecia (sem, contanto, ignorar que certos exageros devem ser evitados) e, por isso, entendo que Norman Geisler e Thomas Howe respondem bem a pergunta, quando dizem de Isaías 14:12 que:

Esta passagem é literalmente uma referência ao rei da Babilônia, mas o seu significado inclui a derrota final e a queda de Satanás.  (...) A profecia foi dada àqueles que viviam nos dias de Isaías, e seu significado foi imediato para eles. Deus estava prometendo-lhes que seu inimigo, o rei da Babilônia e o próprio império que lhes era maléfico, seria por fim derrubado. Contudo, podemos tomar esta profecia como sendo uma descrição da derrota final do príncipe do mal que governa neste mundo, a quem por fim Deus destruirá (Ap 20:10) (GEISLER & HOWE 1999, pp, 276,277).

 

 

QUE Leiamos a Bíblia sem esquecer que ela é a PALAVRA DE DEUS!

Gendildo Alves de Lima

 

 



[1] Não esqueçamos que tal mitologia era de interesse dos próprios reis. Há exemplos recentes: O imperador japonês pré-segunda guerra mundial, nutria em seu povo a ideia de que ele era divino.